sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

De quantos banheiros precisamos?!

A imprensa nacional se mobiliza para tratar de um assunto, que na maioria das vezes é "encardido", pelo simples fato de não haver um planejamento eficiente para quebrar tabus no Brasil. O cartunista da Folha de S. Paulo, Laerte, procurou a Justiça de São Paulo para alegar discriminação após ser impedido de entrar em um banheiro feminino.

Laerte, que há poucos anos aderiu à tendência crossdressing foi abordado por uma cliente de um restaurante que se sentiu incomodada de dividir o lavabo com um homem travestido de mulher. O que há de novo nisso? Nada. Apenas nos deparamos com mais uma situação em que as raízes culturais brasileiras nos impedem de racionalizar uma questão, muitas vezes bem resolvida em outros polos, até no próprio país.

Não é novidade alguma para moradores, por exemplo, do interior do Nordeste dividir espaços públicos com pessoas de orientação sexual opostas. Gays, lésbicas, travestis, transsexuais e heterossexuais conseguem compartilhar uma boa leva de lugares sem conflito explícito. Muitas vezes, quem se diz prejudicado, como no caso de Laerte apenas ri da situação, mas entende que em âmbito coletivo o que mais importa é a boa convivência.

Tal característica intrínseca a algumas comunidades possibilitam uma melhor convivência entre as diferenças. Obviamente, tal pensamento tomado em coletivo às vezes não condiz com a opinião individual. São inúmeros os casos de violência contra homossexuais, até nos cantos mais longínquos do Sertão. Mas quando a situação ganha a esfera pública, há um pouco mais de complacência quanto à diversidade.

Não é comum se deparar com casos absurdos de desumanização gratuita contra travestis em cidades interioranas, como na Avenida Paulista, pedaço de chão mais cosmopolita da América Latina, como se gosta de dizer. No interior, os transsexuais são tratados como uma casta diferente na sociedade. Eles tem seu poder, nem sempre bem explorado, tanto por quem convive quanto por eles próprios. Mas sobretudo são respeitados e até mesmo defendidos, inclusive, por quem se julga mais conservador.

Um bom exemplo dessa relação pode ser encontrada no premiado curta "Amanda & Monick", do diretor André da Costa Pinto, com quem tive o prazer de conviver em Campina Grande-PB. A relação entre professora-travesti e alunos e pais de alunos e família é um dos grandes exemplos de que há possibilidade de convivência respeitosa entre as partes. Vale lembrar: o pano de fundo dessa história é uma cidade do interior nordestino com no máximo 10 mil habitantes.

Por que a megalópole São Paulo, com mais de 450 anos, com mais de 9 milhões de habitantes de todas as partes do mundo, que se diz orgulhosa em receber a maior "parada gay" do planeta e os mais diversos profissionais de áreas super especializadas não tem a complacência e a vocação de discutir coisas tão simples quanto o próprio espaço de convívio. Será culpa da Internet, que nos impõe padrões e máximas que são apenas curtidas ou compartilhadas sem sequer serem questionadas? Ou a tendência de emancipação das almas nos levará até esse triste buraco negro?

Por muitas vezes, nos deixamos iludir pelo quadro geral e não nos centramos no cerne das questões. Ao ver o cartunista Laerte por em debate uma questão de direitos, ainda ganham mais espaço comentários do tipo: "Isso é uma bicha", "uma falta de vergonha", "isso é apenas um crime" e, por fim, "born this way", que ultimamente tem sido a frase pronta das massas homossexuais que se espalham por diversos guetos.

A questão não é ser gay. A questão é debater o espaço público, até onde vão nossos direitos, como aproveitar o mundo sem ultrapassar a barreira do vizinho. Para quem não entende de maneira clara, a questão é: Como aproveitar a Internet sem precisar roubar o sinal de weireless de alguém?

Garanto, dois banheiros, um masculino e um feminino, são suficientes para não precisar ser declarada a Terceira Guerra Mundial.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Quando a ética atinge a individualidade

O que difere as profissões, os termos que as definem ou vontade de fazê-las? Podemos supostamente nos tornar um outro profissional pela pura necessidade? Será que somos competentes o suficiente para nos tornarmos camaleões que vagam em várias nuvens?

Os estudiosos dizem que os profissionais da geração Y devem estar preparados para todos os desafios e com conhecimento suficiente para desatar qualquer embrulho. Cobra-se inglês, francês e espanhol, detalhes técnicos sobre o uso das redes sociais, sorrisos largos e muita gentileza. O novo profissional não pode ficar de banzo, como nos navios negreiros.

A ética, que debatida em várias esferas, durante séculos, não define até hoje o que é público ou privado, certo ou errado. Mas sobretudo, a discussão que menos prevalece dentre todas é: o individual e o coletivo.

Até que ponto nossas impressões pessoais são suficientes para garantir o nosso trabalho se quando falamos algo que corta os ouvidos de nossa hierarquia somos demitidos? Por que nos é cobrada essa autoafirmação, se no fundo temos autonomia apenas para obedecer?

O mundo se mostra cruel e ainda não tenho capacidade de entendê-lo por completo. Não posso assumir algo que se manifesta em minha essência, pura e tosca. Enfim, não posso envolver o que é alheio e, quem sabe por infortúnio, fazer perecer o que não é meu e ser responsabilizado por isso.

Um homem se torna homem pelos grandes feitos e sim pelo que assume não ser capaz de fazer.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Onde pousa o João de Barro

"Quando o João de Barro constrói a porta da sua casa contra o sol nascente é sinal de estiagem". Ouvi isso atônito em uma sonolenta manhã de sexta-feira na redação efervescente por pautas que justificassem o grandioso trabalho jornalístico. Encasquetei. De onde partem essas coisas e por que acreditar nelas?

Enquanto outras questões vinham à tona, o pequeno pássaro tão brasileiro bicava meu cérebro. Pensava no humilde sertanejo que tirava uma parte do seu tempo para perseguir ninhos de pássaros pela caatinga em busca de sinais. Depois lembrei do sítio da minha avó, na localidade de Gameleira, em Iguatu-CE. Ri quando mentalizei Dona Adelice correndo e levantando o vestido em busca de "sopros divinos" de um bom inverno.

No final das contas lembrei do que realmente mexia com o desatinado juízo. O quanto as sábias palavras dos mais velhos são importantes para mim. Sou dos que acreditam em teorias científicas, amigo de Charles Darwin e amante secreto das galáxias. Porém, me coloca em um estado de graça ouvir a sabedoria da maturidade. A arte das mãos da terceira idade, labirinto onde quase ninguém quer entrar.

Sempre transformei em filme os dizeres dos meus recém-velhinhos. Minha avó Rita cantava pra mim e me contava causos, em sua maioria fictícios, dos tempos de estradas barrentas em Assaré. Tudo era tão imaginativo e crível, que incorporei cada ensinamento no meu dia a dia e comecei a caminhar pelas estradas empoeiradas.

O meu lado vanguardista não me impede de ser do passado e honrar essa parte que grita em mim. Se estão errados, eu não sei. Quem saberá com toda a certeza? Reza a lenda de que um curioso marginal se dedicou às enciclopédias para desmentir as verdades melindrosas. No fim, bebeu as teorias com cana.

'Ó, João de Barro. Quando não tiveres lado para colocar a porta de tua casa, não se sinta envergonhado de pousá-la em minha janela'.

sábado, 14 de janeiro de 2012

"Cidade-Luz, Campina Grande"

Um pouco mais de um século e meio em suas paredes que são tão familiares. Alguém já disse que não existe melhor lugar que Paris. E eu concordo, mesmo sem ter cruzado o Atlântico. Concordo com o pensamento. Concordo no sentimento natural que torna certos espaços, até então desconhecidos, em sua própria casa.

Olhar a serração e os prédios ao fundo. Eles beiram o centro da cidade, mas já são tão próximos assim que você desce de um "Progresso". O asfalto estreito e bonito, nem parece mais as descrições que hoje fazem de ti. Mas os vejo ainda molhados, sobre a cinzenta e refrescante névoa que te toma no mês de junho.

Ladeiras e planícies, quem poderia dizer? És maior que o meu umbigo e guarda muitos dos meus tesouros. Hoje os dias são úmidos e o vento é forte, feito para balançar jangadas. Mas não te preocupes, minha menina, nada está errado e você mora no meu coração. Sei que não nos encontraremos na Praça da Bandeira para caminhar de mãos dadas até o Restaurante Popular em breve. Mas refaço os mesmos passos mentalmente até em um restaurante de luxo, onde me depositam à mesa suculentos camarões.

Apesar de atualmente estar em ótimas companhias, lá fiz bons amigos. Alguns deles se tornaram os melhores. Todos sentados nos bancos do Curso de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba. Destinos tolos entrelaçados no dia 22 de dezembro de 2004. Alguns estão grávidos, outros são pais, outros nem mudaram, mas existem e é o que importa.

Lembro de estar com eles no Parque do Povo, no Madrugão, no Tenebra, na Sappore, no Iguatemi, na Queen, na UFCG, no Teatro Municipal Severino Cabral, no SESC Centro e Açude Velho, no Açude Velho, na Reitoria, nas lojas do centro e no Banco do Brasil.

Na Prata, Bodocongó, Alto Branco, Cruzeiro, Catolé, Santa Rosa, Malvinas, na difusora do Centenário, no Spazzio... Pena que em lugar nenhum. Mas os caminhos nos levam aonde devemos chegar e hoje estou aqui. Com o coração cheio de saudade e alegria, por ter sentido o teu cheiro.

Não me canso de você e, pode escrever, habita meus sonhos, mesmo que raramente. Foi bom lembrar de você. Melhor ainda lembrar que me fiz homem contigo. Desvirginaste-me para o mundo, para as escolhas, para a minha própria cabeça.

Sorvemos ao mesmo tempo, separados por centenas de quilômetros, a taça da juventude eterna. "Cidade-Luz", Campina Grande.

Daniela

Jaqueta de couro. Unhas afiadas. Ela desfila sensualmente no palco das expectativas onde não sabemos o que vai dar certo nem nos centímetros que tem o nariz. Desbrava as sensações. Sua frio. Mas desfila soberana. É uma mágica. Mágica sob a alcunha de Daniela. Trabalha em um circo, que para os mais críticos seria de quinta categoria, mas para mim, eterna criança, é a melhor das diversões de uma noite de sexta após ter a pupila dilatada ardorosamente por uma balconista nem tão sexy quanto a personagem desta história.

Ela tinha que fechar a semana onde tudo começou de um jeito e terminou de outro. Coisas dos homens que por machismo ou ganância não se permitem um salto alto vez em quando. Sei que nem todos se empolgaram com a astúcia de Daniela. O Mister M já fez questão de escancarar a verdade que habita os truques: a inocência. Mas mesmo assim, a moça de roupa preta não se intimida e parte pra cima da plateia.

Como naquela música "Yoü and I", da Lady Gaga, as coisas aconteceram. Cabeça de um lado, corpo de outro. Cair em garras afiadas e flamejantes já não era impossível. E o inesperado-esperado acontece: ela surge do fundo da plateia, nos exigindo pensar que toda a magia é de verdade. Desfazendo aquela boba ilusão de que ela teria ido embora, de vez, para não voltar...

Daniela teve várias notícias, de toda natureza. Foi criança, jovem e mulher. Aprendeu seu ofício e quem sabe casou. Descobriu a felicidade e depois de um tempo percebeu que ela não era tão valiosa. Desejou ser quem não era e foi, mas voltou. E estava de novo ali no palco. Desafiando a quem a intimidava. Vencendo o jogo dos mais fracos.

A mágica era como uma pena. Uma verdade. Melhor dizendo, a mágica era o imprevisível. Aquilo que temos certeza que vai acontecer, ou numa súbita maldade, desejamos que ela venha à tona para saber qual a sua explicação. E ela vem. Pena que nem todos podem contar com uma fortaleza. É bom enxergá-la de longe. Protegido pelo que eu sempre quis de escudo.

Essa semana, Daniela se apresentou pra mim e uma dúzia de pessoas. Na outra, quem dirá?! Quem queimaria a mão e afirmaria ser o próximo?! Sua essência tem grandeza. Suas vontades não têm lei. Guarda consigo a iminência e a amargura. Aguarda com sede o aplauso e o riso macabro, de quem fez o mundo ao avesso e você nem reparou.

Para a vida, um banho de experiências. Contra o imprevisível, só a morte.

"Au revoir!", disse ela.

P.S. 1: Apesar da coincidência, este texto não é direcionado a minha linda amiga-presente-tudo-de-maravilhosa Daniela Castro. Ela terá um texto mais adiante.
P.S. 2: Esse texto é dedicado exclusivamente ao Jacaré do Açude Velho, que nos deixou na tarde deste sábado (14). Sentirei saudades. #