domingo, 1 de abril de 2012

Ro Ro, uma senhora sem fio e sem navalha


Toda de preto e com um tênis que a aproximava mais de uma esteira do que do palco, Angela Ro Ro se apresentou no anfiteatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura neste sábado (31). No alto dos seus 62 anos, a artista carioca mais uma vez foi a grande estrela da noite. Normal para quem possui uma voz ao mesmo tempo sexy e descontraída.

                O que mais chama atenção na performance de um dos mais misteriosos nomes da Música Popular Brasileira é a mudança de espírito e corpo que Ro Ro viveu na última década. Deixou pra lá a barreira dos mais de 100 quilos e incorporou uma nova mulher, tão sarcástica quanto ontem, com umas doses a menos.

                 O show, que fazia parte da Série Depoimentos, traz como princípio a alternância entre canções e perguntas feitas pela plateia (o que é totalmente desnecessário porque as perguntas são muito burras) e por um “bobo da corte” chamado jornalista Cristiano Pinho, e tem patrocínio da Coca-Cola. E como disse Ângela: “Já usei muita coca e muita cola. Mais que o Pablo Escobar e o Hugo Chávez. Qual dos dois ainda está vivo?”.

                Ro Ro agarra com maestria seu passado polêmico e sua experiência de longos anos no meio artístico para abrir a boca, ela nunca foi de se calar. Escancarou o coração e assumiu que não voltaria mais a Fortaleza, depois que um jornal local (provavelmente O Povo) teria estampado em sua capa de cultura que a cantora seria “aliciadora de menores” e “traficante de drogas” há três anos. Amaldiçoou a capital cearense, e no início da apresentação lambeu o veneno e ironizou os detentores do “poder intelectual”. “Me arrependo (sic) de nunca ter processado ninguém, mas vou tratar de resolver este problema ainda em 2012”, rechaçou.

                Não esqueceu de comentar a falta de dinheiro, que muitos consagrados artistas de outras décadas sentem após o ostracismo causado pelas ditas "novidades". Ângela brincou com tudo dizendo, "antes andava sobre o fio da navalha, mas hoje cadê a navalha? Nem a navalha restou".

                Dentre clássicos como “Amor, meu Grande Amor” e versão de “Ne me quitte pas”, a intérprete, compositora e pianista deixou de lado a modéstia e atacou muitos. A internet e até as cópias. “Tivemos agora há pouco uma cover da Cássia Eller (se referindo a uma cantora cearense que abriu seu show)” e desqualificando a jovem.

                No fundo, o que Ângela quis nos dizer, e só muito poucos entenderam, é que ser artistas é debochar daquilo que se faz. Se Ro Ro realmente vivesse o que canta, já estaria nas páginas do obituário assim como fizeram Maysa e Amy Winehouse. É preciso rir da arte que se faz, visto que é humanamente impossível levar o personagem dos palcos para o convívio do lar.

'Destaque ao descobrir que o apelido Ro Ro de Ângela tem a ver com sua risada rouca e também que a música 'Malandragem' foi composta pra ela. Tudo faz sentido agora'.

domingo, 25 de março de 2012

Impressões de São Luís - Parte II ou 'Liberdade, liberdade?!'


No próximo dia 13 de maio a abolição da escravatura chega aos 122 anos. Apesar de tudo o que foi negociado e tentado pela “minoria” negra liberta é dramático reconhecer em alguns pontos do Brasil o pensamento escravagista. Não é preciso ter olhos de antropologia para perceber que as coisas nunca andaram muito e que as etnias ainda vivem em cenário conflituoso mesmo num país conhecido internacionalmente como miscigenado.

São Luís, no Maranhão, é um destes pontos onde é fácil presenciar o abismo que ainda impera nas relações sociais tupiniquins. Guardo uma frase dita pela guia Lisandra em visita à Casa de Nhôzinho, no Centro Histórico da capital maranhense: “Os negros foram jogados nas ruas e precisaram fazer alguma coisa”.



Esse sentimento de excreção nunca tinha me ocorrido com tanta veemência. Faz muito tempo que nada no Brasil é realmente planejado e sempre caberá às futuras gerações dar conta de tudo. Viveremos com o estigma de sermos o país do futuro.

A falta de políticas ou planejamento social para a fase de libertação dos escravos foi crucial para o retrato da miséria que assola a nação. Hoje, precisamos discutir cotas e ver estampado nos jornais as vítimas da violência urbana, que aos poucos chega ao interior.

A pobreza ainda é negra no Brasil e pouco vejo espaço para que ela mude de cor. Visitar um lugar colonial como São Luís me serviu de grande lição. Nos shoppings, lojas, bares, botecos, a separação entre quem serve e quem é servido ainda é definida pela cor.

Ao contrário de outros lugares do Nordeste, raramente encontramos um negro em um ambiente social. Eles estão nos estacionamentos, balcões, ruas, alguns de rastafári, o que faz a situação se tornar ainda mais pitoresca. Um mau sinal.

Para o resto do mundo, os maranhenses sempre serão os “regueiros” filhos de Bob Marley no Brasil. Tudo será muito bonito até o ponto em que a burguesia for diretamente prejudicada pelo excesso no abandono de toda uma população. Que vota!

Garanto que a mesma exclusão não acomete somente os negros, mas também a população indígena, muito predominante, principalmente no interior do Estado.

Enfim, não nos faltam provas da ineficácia governamental do país, sempre atrelada à busca de realizações pessoais e corrupção. Poderia dizer simplesmente que é urgente o pensamento em políticas públicas para a população negra. Contudo enquanto não há ação, infelizmente encontraremos tantos renegados sociais nos servindo e o espírito do “Black is Beautiful” apenas no juízo.

terça-feira, 20 de março de 2012

Os gorjeios de São Luís - Parte I


Foto: Marlos Araújo
Uma boa viagem é aquela em que nada do que você espera acontece. Ela te surpreende e só aumenta sua vontade de querer mais. Amanheci com a boa vontade de saborear mais a ilha de São Luís, no Maranhão. Pude viver naquele espaço três lindos dias da vida, que nunca sairão da memória pelos seus percalços e, sobretudo, descobertas.

Em primeiro lugar, a viagem simbolizou meu primeiro deslocamento aéreo nestes quase 25 anos. Isto mesmo! Nunca tinha entrado em um avião e isso já encheu minha barriga de um denso frio no Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza. Não vai dar para esquecer as dores no ouvido por conta da despressurização da aeronave. Só na volta descobri que os bons e velhos chicletes poderiam amenizar o sofrimento, que até me fez chorar.

Cheguei à capital maranhense por volta das 2h. Após todo o processo de desembarque embarquei em um táxi na companhia do inseparável Winner. No entanto, o início do passeio começou tumultuado. Simplesmente, o motorista que nos transportava quase se envolveu em uma briga de rua e fez meu sangue gelar. Enfim, na chegada outra surpresa. Ele não usou o taxímetro e nos golpeou a custa de R$ 50. As primeiras impressões me deixaram muito preocupado. Mas que bom que era só o começo!

Hospedagem

Tive o prazer de conhecer a estrutura do hotel Ibis, a quem sempre admirei pela organização. Tudo impecável. Quarto lindo e arrumado, com TV a cabo e canais internacionais. Nas folgas dos passeios tive a TV 5 Amerique Latine como companheira. Deu até para entender alguma coisa.

Outro destaque da hospedagem é o café-da-manhã. Nunca vou esquecer-me do gosto do leite gordo com sucrilhos. Mais do que nunca exijo a reintegração dessa gordura na dieta.

Depois da péssima experiência no táxi, resolvemos alugar um carro. Tentamos pegar um ônibus, mas virou missão impossível. Acabamos dentre de outro veículo (desta vez com o velocímetro devidamente ligado) e chegamos à Localiza da avenida dos Holandeses. Apesar de mais caro, valeu a pena locar um Novo Uno com quilometragem livre. Deu para aproveitar bem vários pedaços da região, às vezes excluídos dos roteiros oficiais.

Saímos errantemente pela cidade. Praias do Calhau, Caolho, Ponta D’Areia e São Marcos. Conhecemos um pouco do centro comercial e paramos, logicamente, no Centro Histórico, um dos motivos principais que nos levou até lá.

Foto: Marlos Araújo
 Centro Histórico

Dá uma dor no peito ver que os governos não se mobilizam pelo bem de algo tão rico quanto o Centro Histórico de São Luís. Deu vontade de comprar tudo aquilo, reformar e devolver ao povo, de presente, pelo mérito de produção de uma história tão viva.

Achei um charme o nome da maioria das ruas de São Luís. Simples como Rua da Estrela, Rua do Giz, Rua Portugal, Rua do Trapiche, Avenida dos Franceses, e até a Rua Trinta e Nove, completamente cabalística.

Os azulejos, que apetecem aos olhos, se misturam com os moradores de rua. Alguns chegaram a oferecer serviços de garotas de programa, o que manchou um pouco o passeio. Porém, o sorriso de uma jovem engajada chamada Lisandra mudou os rumos da prosa.

Winner, Lisandra e eu
Lisandra, estudante de audiovisual, apresentou a “Casa de Nhôzinho”, na Rua Portugal. Um museu situado em um casarão construído no século XIX que agrega objetos do artesanato e peças do cotidiano de várias regiões do Maranhão, com destaque para as culturas indígenas e africanas, muito presentes. Também estão presentes várias histórias e lendas, como a da serpente que vive em baixo de São Luís. Segundo os antepassados, no dia em que a cabeça do bicho encontrar com a calda, que anda se espalhando a cada dia, a cidade irá afundar.

Escultura de Nhôzinho/Foto: Marlos Araújo
Já Nhôzinho foi um mestre do artesanato, que apesar de uma grave hanseníase, que deformou seu corpo, ficou conhecido por trabalhos em peças de uma famosa marca de máquinas de costura. Suas obras que remetem a movimentos humanos têm eixos impressionantes que nos fazem parar de dois a três segundos para entender sua complexidade.

Segundo nossa simpática guia, ainda há a presença de muitos boêmios no Centro Histórico que faz bombar a programação no labirinto. Não cheguei a dançar o “Tambor de Crioula” tão famoso, mas no local pude encontrar algumas boates sediadas em casarões. Algumas delas valem realmente a pena. O clima brejeiro de São Luís afasta os manequins e a ostentação de uma cidade maior, como Fortaleza, por exemplo. As pessoas até que se olham e sorriem.

Museu "Casa de Nhôzinho"/Foto: Marlos Araújo
Destaco no Centro Histórico ainda passar pelo Teatro João do Vale (lendário pelo espetáculo "Opinião" com Zé Keti e Nara Leão) e uma feirinha com cachaças e artesanato.

Depois de muitas descobertas, o primeiro dia de programação turística terminou com uma saborosa água de coco no cofo (artefato feito de palha de babaçu usado como suporte para o fruto) à beira do rio Anil.

Lagoa da Jansen

Ana Jansen foi uma importante proprietária de terras e engajada em movimentos sociais de São Luís no século passado. Apesar da lenda de que a sinhá vagueia pelas ruas da ilha numa carruagem após ser condenada por maus tratos aos escravos, ela deixou seu nome como lindo legado a uma lagoa próxima à Avenida Beira-Mar.

Nos finais de semana, à tarde, a programação começa no famoso “Botequim”, com samba e pagode ao pôr-do-sol magnífico. Aos poucos, diversos barzinhos e restaurantes vão se iluminando e a Lagoa da Jansen se torna o principal point dos jovens ludovicenses.

Regado a sertanejo universitário e MPB o local se destaca. Quem é mais alternativo procura o Centro Histórico. Agora, os fãs do brega melody e reggae encontrarão na cidade diversas opções.

Água de Coco no Cofo
Locomoção e preço baixo

Não é difícil se locomover por São Luís, a não ser que você conte com um sistema de GPS. A falta de placas nas vias complica o deslocamento, portanto evite sair sem destino sem seu devido co-piloto.

Outra característica da cidade é o preço. Nada é tão caro. A cidade está repleta de boas opções para todos os bolsos. Desde shopping centers, até franquias famosas como Subway e Bob’s.

Sem dúvida, São Luís é uma cidade viva para quem quer dar vida a ela. Cabe ao turista ter iniciativa e buscar aquilo que mais o agrada. Meu tour pela capital maranhense não acaba por aqui. Tem muita coisa que quero compartilhar com vocês. Amanhã traço uma visão mais social das marcas deixadas pela cidade. Sabia que lá as relações de “escravidão” não parecem ter acabado?!


domingo, 11 de março de 2012

A liberdade é a expressão da paixão

'I Want to Break Free' (abra o vídeo para ler o texto), já dizia a letra do grande John Deacon da minha amada banda Queen. 'Eu quero me libertar' e quem não quer?! Apesar de ser tida como uma referência ao mundo gay na visão dos que enxergam de cabresto, esta é uma daquelas verdades insólitas que chegam na mesa do bar na hora de pagar a conta.

É à ela que recorremos como estamos descontentes com o que nos rodeia, a liberdade. É engraçado que temos o malévolo ato de reclamar de tudo o que conseguimos. Sempre nos parece pouco e queremos ir além. Tão egoísta conosco somos, mas isso nos enche a boca de saliva. Queremos algo a mais, e este algo é a liberdade.

Liberdade para produzir, fazer do nosso jeito e, assim, colhermos um resultado lucrativo e criativo que se sobrepõe às expectativas da sociedade, que vivemos atrelados em busca da maior produção. Esta é a lógica utópica do capitalismo. Mas nos inserimos no mundo "real", das máquinas e da produção em massa. Portanto temos de nos adequar ao que os manuais dizem, sem que qualquer apelo mais individual possa surgir sem a batuta dos que se dizem "chefes" e que são tão subservientes quanto aqueles que adormecem no último patamar da pirâmide.

'Queremos nos apaixonar'. Um dos que hábitos que mais prazer me dá é ficar parado olhando a fila do banco, por exemplo. O que está por trás do saldo e do extrato daquelas pessoas que bufam nas escadas, nas calçadas... Já parou pra pensar que tudo que elas querem é ser amadas?! Tão amadas quanto você passou a vida inteira querendo ser. Esse é o capitalismo humano, que nos corrói diante do insucesso. Queremos partilhar nossas vitórias com alguém, e sermos abraçados, e sermos beijados, e fazermos sexo com uma única pessoa o resto da vida. Esta é a lógica das relações humanas, que nem sempre se concretizam. E o gosto marrento da cerveja que esquenta chega até a garganta. 'Queremos tanto nos apaixonar'.

A liberdade é a expressão da paixão. Assim como a aprovação é o resultado do estudo. Assim como a lei é o resultado do apelo e da discussão. Assim como a falta de atos é obtida pelo acúmulo de promessas. 'É estranho, mas é verdade', nadamos na contramão daquilo que realmente nos é importante e foi escrito por nós mesmos no nosso diário da vida. No dia 31 de dezembro, quando o ciclo se fechar, estaremos atentos para encontrar a tão sonhada vida eterna, repleta de paixão e liberdade de expressão. Mas ela não chega, ela nunca chegou e nunca vai chegar. 'I am, I was and I will be.

'Mas a vida continua', não dá tempo pra filosofar e esperar. A solução está na nossa vontade e no nosso foco. Quem segura o giz para traçar o caminho de Capitu é ela mesma. O nosso ainda está intacto e o medo nos assombra. O TOC desfaz o brilho da peça e o pó que escorre do taco nos faz sofrer. O que fazer? Algo há de ser feito. 'Eu tenho que me libertar'. #

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Merecemos este metrô?!


Pouco depois que nasci foi assinado o contrato que daria início ao processo de construção do metrô de Fortaleza. Na época, o papel assinado pelo Governo do Estado, a extinta Rede Ferroviária Federal, Sociedade Anônima (RFFSA) e a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) despertou em muitos alencarinos o sonho de um novo meio de transporte para desafogar a chegada ao trabalho, ao comércio, aos estudos e, quem sabe, ao lazer.

Enquanto se pensava que os trens seriam suficientes para levar a Fortaleza aos quatro cantos não se imaginava que quase 25 anos depois ainda estaríamos em ônibus lotados. Pois é, o Metrofor é meu contemporâneo e, como eu (e você), enfrentou muitas crises até tomar forma.



Nestes anos que se arrastaram lentamente a falta de pulso firme do poder público fez com que as obras emperrassem e o futuro de um transporte limpo e barato fosse adiado, até chegar ao campo da imaginação. 
Virou piada andar de metrô na Capital, o que pode ser considerado um dos grandes atrasos de uma sociedade que quer estar à frente das outras, principalmente das do interior do Estado.

A construção do metrô teve seu investimento inicial triplicado com o passar dos anos. Em quatro deles nenhum operário movimentou uma pedra. O Tribunal de Contas da União, em 2009, pediu que a empresa responsável pelas obras parasse para que um superfaturamento de R$ 65 milhões fosse investigado. Nada aconteceu.

Daí apareceram impasses sobre a demolição de prédios históricos, retirada de comerciantes do popular Beco da Poeira, dentre outros probleminhas de percurso. Com os olhinhos brilhando víamos os vagões chegando da distante Europa. Aos poucos, os trilhos começaram a ganhar as páginas das propagandas governamentais, o que para alguns é sinônimo de progresso.

Mas, faltando pouco tempo para a efetivação da Linha Sul ainda não foi debatido o que de fato é importante. Se a espera pelo transporte coletivo já foi tão grande, é preciso pensar o que fazer com ele a partir de agora.

Deixando de lado os fatores políticos, outro impasse que compromete a boa utilização do metrô de Fortaleza cabe a cada um de nós. Nossa cultura está preparada para tal inovação? Saberemos respeitar as regras e nos deixar impor às condições necessárias para transformar o transporte em um espaço civilizado?

A proposta revolucionária faz sucesso em grandes cidades. Quem nunca ouviu falar no sonho que é o metrô de Paris, que além de um espaço público é patrimônio cultural. Os “subways” londrinos e os túneis de Nova Iorque, sempre retratados em filmes e publicidade. A única chance que tive de andar neste tipo de meio de transporte foi em Recife, e causa apreensão pensar que a proposta não seja bem entendida.

Enquanto princípios como a responsabilidade com o bem público e a importância de sua conservação realmente não chegar à mídia e, consequentemente, às rodas de conversas a sociedade estará à mercê de um grande e doloroso insucesso. Os ônibus, definitivamente, nunca deram certo pra valer.

Muita discussão virá à tona nos próximos meses. Principalmente às vésperas de junho deste ano, prazo dado pelo Governo para inaugurar a obra. Mas, já se pode começar a exercitar a “mufa” e debater de que maneira a obra que completou 13 anos de vida não morra tão cedo. 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Helenice Caminha


Helenice caminha todas as manhãs. Quatro quarteirões até a parada de ônibus em um ponto movimentado da cidade. O trajeto, cheio de curvas e obstáculos, se torna a cada dia algo mais crucial para a jovem recém-saída da faculdade.

A moça é loira e tem cabelos longos. Alisados e pintados, como é peculiar na sua geração. Mas o que chama atenção em seu rosto é a sutileza do sorriso, amalgamado com um vibrante aparelho em tons de cinza e rosa pink.

Ela entra cedo no trabalho. Batalhou por muito tempo uma vaga neste posto. As más línguas dizem que Helenice precisou utilizar de suas curvas e ofereceu horas-extras na cama de um dos chefes. Tudo maldade. As colegas de hoje em dia é que não sabem respeitar a reclusão e a seriedade de uma menina predestinada ao trabalho.

Ela ainda não sabe, mas odeia o que faz. Acha digno ocupar um posto em uma das mais limpas clínicas de veterinária da Capital. Diz que “nasceu para servir” e nem percebe que seu “slogan” apetece o gosto dos clientes, que abusam do seu carisma. Helenice sorri, mas não se assombra. No fundo de sua alma está o sonho de ter seu próprio negócio. Cuidar da sua própria matilha.

A jovem sai feliz, saltitante em passarela em plena 5h30 da manhã. De sua casa até o trabalho são no mínimo 45 minutos de corpos suados, rostos tristes e cansados. Ela não os percebe muito bem porque se distrais com o celular que transmite a programação do rádio. Gosta de ouvir as notícias. Para alguém de sua origem, poder falar de vários assuntos é sinal de inteligência, de reclusão. É ser uma grande exceção em um mundo repleto de coincidências. Mas ela não é diferente, pelo contrário. Helenice não sabe, mas está em todos os lugares.

Nos 15 minutos que separam Helenice de seu destino ela gosta de pensar na vida. Mesmo sem querer. O que o dia lhe trará? Por que o mendigo dorme na rua? Por que não tem tempo de ir ao banco resolver aquela pendência chata? Percebe o quanto está cansada. É o destino. E assim passam questões de todas as grandezas que, caso analisadas com maior precisão, poderiam oferecer a menina um mapa da sua própria existência. Aquele buraco-negro que todos têm durante a vida e não sabem o que fazer. Jogar-se na escuridão ou se jogar na escuridão? “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Como um flash, tudo se esvai e uma nova futilidade vem à cabeça.

Os quadris balançam. Uma gota de sensualidade que persiste no corpo de Helenice. Sua mãe a ensinou os “pudores” que fazem uma mulher ser respeitada em um mundo onde o sexo pode transformar tudo. Ela sabe que as calças jeans, por mais sufocantes que sejam, fazem parte do protocolo. “Preferiria um vestido”, martelava em seu subconsciente.

No caminho, se deparava com alguns rostos conhecidos. As velhinhas de sempre que levavam o cachorro para passear, o entregador de jornal, o vigia da loja e o pedinte da esquina. Todos tão íntimos, compartilhando o único instinto de proximidade que resiste na liquidez mundana: a vontade. Helenice pensa que todos aqueles personagens não sabem nada uns dos outros, mas sobrevivem com a esperança de que os laços imaginários ainda são capazes da transformação. Que bobagem!

Helenice caminha, está a dois quarteirões do ponto do transporte. A mente voa com o vento e as primeiras nuvens da estação de fevereiro. O mundo paira em sua cabeça e ela vai despercebida. “Sou feliz?”. Anda, anda, anda até a esquina. Despercebida parte em direção ao outro lado sem reparar o vermelho no sinal. Um barulho agudo. Um cheiro de morte sobe.

A jovem está parada, olhos arregalados. “Está louca, minha filha?!”. Foi por um triz. Mesmo assustada, abaixa a cabeça e prossegue ao seu destino. Sente vergonha do erro, mas caminha. Alguém balbucia algo que não é importante e a moça se benze. Lá vem seu ônibus. “Será que sou feliz?”.

Helenice subiu no coletivo por mais dois dias, e nunca mais foi vista na caminhada matinal.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O domingo e suas angústias

Viva a ansiedade e a espera por um bom dia de domingo. A folga almejada por 10 entre 10 cidadãos do mundo que não esqueceram que a existência não se resume ao trabalho. Como é bom pensar em um dia onde somos donos de nós mesmos e do nosso descanso.

Desde pequeno, na minha  cidade, descobri que o domingo é dia de se resguardar. Segunda-feira aparece sorrateira e perigosa, precisamos estar bem preparados para deflorá-la. As manhãs, com trilha sonora do Padre Zezinho, eram um prenúncio de um dia tranquilo. Que nem sempre era. Os percalços do álcool alheio ou uma briga entre vizinhos gostava de manchetar o dia de entrega à existência.

Seja de rede, cama, sofá, ou cadeira de balanço ele era vivido com intensidade. Não sei, sinceramente, o que faz uma pessoa idolatrar a labuta e sentir falta do estresse diário. Para mim, mais fundamental que o trabalho é a folga, o ócio produtivo, que me permite acordar da Matrix e enxergar o que está por detrás das entrelinhas. Caso meus chefes percebessem isso me dariam folgas e folgas, visto que tal combustível elevaria exponencialmente minha criatividade.

Mas, nem sempre de glórias os domingos são formados. A presença da mídia e a vontade de se fazer tudo em pouco tempo tem deixado a humanidade ansiosa. Essa autodestruição faz com que cheguemos a conclusão de que todo o tempo é pouco. E que precisamos ganhar mais dinheiro. E que precisamos fazer mais horas extras para que as datas comemorativas cheguem logo e passem logo.

Há muito não percebo nos olhares as expectativas das grandes comemorações. É carnaval e as praças não têm decoração. As crianças não compraram fantasias. Ninguém tocou marchinha. E o comércio não pára. Assustou-me um anúncio da festa de ressaca do Carnaval. Estamos matando a vida de véspera. Estamos ejaculando precocemente as possibilidades.

Um teórico, a quem me afeiçoei nos últimos tempos, anda dizendo que não possuímos condições suficientes de manter laços ou amar alguém. "Ame ao próximo como a si mesmo". A frase perde o sentido quando nem sabemos o que é amor e, segundo, quando não calculamos o real amor que temos por nós mesmos.

Enquanto o domingo está aí de braços abertos para nós. Passeios públicos, praias, bicicletas, comidas deliciosas, sorrisos de mãe. Estamos aqui, lendo este texto. Sei o quanto a audiência é importante para um trabalho como o meu, mas estou certo de que se meus leitores deixassem meu blog por uns instantes para viver a vida e olhar nos olhos de quem amam, eles voltariam mais e mais vezes, compartilhariam comigo todos os seus anseios e estariam debatendo arduamente o que nos falta para a suprema felicidade.

Lembro agora de uma menina que quer tudo e nada ao mesmo tempo. Ela já pensou em tudo o que seria possível para tirá-la da angústia da ansiedade e ser dona de sua própria vida. Mas compartilha com meios que não lhe trazem as respostas suficientes. Pobre.

Enfim, mais um domingo se passou e mais um domingo chegará. A semelhança é que cada semana que passar vamos ouvir de todos que este dia já não é mais suficiente. A existência já não é mais suficiente. O que nos resta é a ansiedade de viver o que está por vir a cada novo minuto.
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Um dia de domingo. Quando o dia amanhece esticado, sem pressa e com vontade de chegar à conclusão de que nada existe além da sua cama. Cafuné de lado, sorrisos sonolentos de outro. Vamos esperar a natureza. Pé com pé. Perna na perna. Zumbidos e agrurinhas. Tão fofinhas e irresistíveis.


Sinto o sabor da manhã, os raios de sol, como naquela música onde os pingos da chuva bailam como Fred Astaire. Vem o 'white coffee' com uma amanteigada torrada e os assuntos que não querem calar. A cantora que morreu, o jogo que está por vir, as histórias contadas durante toda a semana, as farras que fazem a diferença, os projetos para o futuro e a esperança de muitos e muitos domingos.


Um cochilo daqui, ou uns posts no Facebook?! É bom olhar os amigos por trás da tela de vidro quando você quer estar sozinho. Fazendo seu dia. Olhando para os livros, lendo um pouco e interpretando muito. Nada de muitas roupas, um shortinho de jogador, sem camisa mesmo. O que não pode faltar é o cabelo assanhado, que se penteia à espera do almoço.


Banquete regado a uma cervejinha e pelo ar delirante de quem se ama. Tem de tudo um pouco. Drama, emoção, carinho, temor. Tem de tudo que a vida faz novela e que dá gosto de cantar. É um caminho perverso e gostoso até o final da tarde. Chega a concentração. Um pouco de TV ou DVD. E lá se vai o domingo melancólico. O dia de descanso que ninguém descansa. O que há de errado?! Eis o mistério da fé. Eis a verdade da existência.


Tudo é lindo e ousado. Mas poderia ganhar cores ainda mais vibrantes se não permanecessem somente no áureo e fumacento mundo das especulações. Que ingrato então?! 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Quem vai seguir a dieta da morte?!

A revista "Superinteressante", a mais consagrada pelo público entre os periódicos sobre ciências no Brasil, destacou os oito alimentos venenosos "que a gente ama comer". Completamente assustado fui correndo ver o que era, porque para "ex-gordinho" saborear nunca vai deixar de ser um prazer indispensável.

Na lista frutas e legumes, que geralmente não estão na dieta dos brasileiros, que trocam facilmente um copo de suco de cajá (meu predileto!) por um refrigerante borbulhante. Maçã, batata inglesa, cereja, puxa como tudo isso pode ser tão letal. Como serão os aniversários sem aquele toque vermelho sobre o calórico e adocicado bolo?

A matéria também destacou outras comidas que podem nos deixar "doidões" como os cogumelos e as amêndoas, mas não foi exatamente a lista que me inspirou a vir compartilhar este momento insólito. A reportagem deixou clara a máxima: tudo em excesso é perigoso! Por isso, para chegar ao (tão sonhado para alguns) óbito é preciso ir além do que o previsto. Transpor o absurdo e se entupir de caroço de maçã.

Na sociedade em que Adele é ícone não podemos simplesmente brincar. Ser deprimido, descuidado, e culpar tudo que está ao seu redor é tarefa simples para qualquer existência. Os excessos são comuns e plausíveis. É mesmo difícil viver neste mundo em que nada pertence a ninguém e que o poder de escolha sobre o que queremos da vida já nos foi retirado há séculos.

É doloroso, mas compreendo o quanto é irresistível passar horas em um drive thru de uma famosa marca de sanduíches, compras quibes, quiches e michês do que desperdiçar o mesmo tempo contemplando o mar; substituir a boa e velha "swingueira" e as trabalhadas letras de forró por um espetáculo teatral que ninguém entende nada mesmo, mas diz que foi a melhor peça que já viu; ou então, o cheiro das roupas e perfumes de marcas ao toque instantâneo de uma rosa recém-colhida.

Viver bem dá trabalho. E este não é um mundo feito para quem quer trabalho de verdade. O tempo é curto. A vida passa. E nós, onde ficamos?! Na maioria das vezes debruçados sobre amêndoas, maçãs e batatas fritas esperando que de repente a morte nos abrace.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

De quantos banheiros precisamos?!

A imprensa nacional se mobiliza para tratar de um assunto, que na maioria das vezes é "encardido", pelo simples fato de não haver um planejamento eficiente para quebrar tabus no Brasil. O cartunista da Folha de S. Paulo, Laerte, procurou a Justiça de São Paulo para alegar discriminação após ser impedido de entrar em um banheiro feminino.

Laerte, que há poucos anos aderiu à tendência crossdressing foi abordado por uma cliente de um restaurante que se sentiu incomodada de dividir o lavabo com um homem travestido de mulher. O que há de novo nisso? Nada. Apenas nos deparamos com mais uma situação em que as raízes culturais brasileiras nos impedem de racionalizar uma questão, muitas vezes bem resolvida em outros polos, até no próprio país.

Não é novidade alguma para moradores, por exemplo, do interior do Nordeste dividir espaços públicos com pessoas de orientação sexual opostas. Gays, lésbicas, travestis, transsexuais e heterossexuais conseguem compartilhar uma boa leva de lugares sem conflito explícito. Muitas vezes, quem se diz prejudicado, como no caso de Laerte apenas ri da situação, mas entende que em âmbito coletivo o que mais importa é a boa convivência.

Tal característica intrínseca a algumas comunidades possibilitam uma melhor convivência entre as diferenças. Obviamente, tal pensamento tomado em coletivo às vezes não condiz com a opinião individual. São inúmeros os casos de violência contra homossexuais, até nos cantos mais longínquos do Sertão. Mas quando a situação ganha a esfera pública, há um pouco mais de complacência quanto à diversidade.

Não é comum se deparar com casos absurdos de desumanização gratuita contra travestis em cidades interioranas, como na Avenida Paulista, pedaço de chão mais cosmopolita da América Latina, como se gosta de dizer. No interior, os transsexuais são tratados como uma casta diferente na sociedade. Eles tem seu poder, nem sempre bem explorado, tanto por quem convive quanto por eles próprios. Mas sobretudo são respeitados e até mesmo defendidos, inclusive, por quem se julga mais conservador.

Um bom exemplo dessa relação pode ser encontrada no premiado curta "Amanda & Monick", do diretor André da Costa Pinto, com quem tive o prazer de conviver em Campina Grande-PB. A relação entre professora-travesti e alunos e pais de alunos e família é um dos grandes exemplos de que há possibilidade de convivência respeitosa entre as partes. Vale lembrar: o pano de fundo dessa história é uma cidade do interior nordestino com no máximo 10 mil habitantes.

Por que a megalópole São Paulo, com mais de 450 anos, com mais de 9 milhões de habitantes de todas as partes do mundo, que se diz orgulhosa em receber a maior "parada gay" do planeta e os mais diversos profissionais de áreas super especializadas não tem a complacência e a vocação de discutir coisas tão simples quanto o próprio espaço de convívio. Será culpa da Internet, que nos impõe padrões e máximas que são apenas curtidas ou compartilhadas sem sequer serem questionadas? Ou a tendência de emancipação das almas nos levará até esse triste buraco negro?

Por muitas vezes, nos deixamos iludir pelo quadro geral e não nos centramos no cerne das questões. Ao ver o cartunista Laerte por em debate uma questão de direitos, ainda ganham mais espaço comentários do tipo: "Isso é uma bicha", "uma falta de vergonha", "isso é apenas um crime" e, por fim, "born this way", que ultimamente tem sido a frase pronta das massas homossexuais que se espalham por diversos guetos.

A questão não é ser gay. A questão é debater o espaço público, até onde vão nossos direitos, como aproveitar o mundo sem ultrapassar a barreira do vizinho. Para quem não entende de maneira clara, a questão é: Como aproveitar a Internet sem precisar roubar o sinal de weireless de alguém?

Garanto, dois banheiros, um masculino e um feminino, são suficientes para não precisar ser declarada a Terceira Guerra Mundial.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Quando a ética atinge a individualidade

O que difere as profissões, os termos que as definem ou vontade de fazê-las? Podemos supostamente nos tornar um outro profissional pela pura necessidade? Será que somos competentes o suficiente para nos tornarmos camaleões que vagam em várias nuvens?

Os estudiosos dizem que os profissionais da geração Y devem estar preparados para todos os desafios e com conhecimento suficiente para desatar qualquer embrulho. Cobra-se inglês, francês e espanhol, detalhes técnicos sobre o uso das redes sociais, sorrisos largos e muita gentileza. O novo profissional não pode ficar de banzo, como nos navios negreiros.

A ética, que debatida em várias esferas, durante séculos, não define até hoje o que é público ou privado, certo ou errado. Mas sobretudo, a discussão que menos prevalece dentre todas é: o individual e o coletivo.

Até que ponto nossas impressões pessoais são suficientes para garantir o nosso trabalho se quando falamos algo que corta os ouvidos de nossa hierarquia somos demitidos? Por que nos é cobrada essa autoafirmação, se no fundo temos autonomia apenas para obedecer?

O mundo se mostra cruel e ainda não tenho capacidade de entendê-lo por completo. Não posso assumir algo que se manifesta em minha essência, pura e tosca. Enfim, não posso envolver o que é alheio e, quem sabe por infortúnio, fazer perecer o que não é meu e ser responsabilizado por isso.

Um homem se torna homem pelos grandes feitos e sim pelo que assume não ser capaz de fazer.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Onde pousa o João de Barro

"Quando o João de Barro constrói a porta da sua casa contra o sol nascente é sinal de estiagem". Ouvi isso atônito em uma sonolenta manhã de sexta-feira na redação efervescente por pautas que justificassem o grandioso trabalho jornalístico. Encasquetei. De onde partem essas coisas e por que acreditar nelas?

Enquanto outras questões vinham à tona, o pequeno pássaro tão brasileiro bicava meu cérebro. Pensava no humilde sertanejo que tirava uma parte do seu tempo para perseguir ninhos de pássaros pela caatinga em busca de sinais. Depois lembrei do sítio da minha avó, na localidade de Gameleira, em Iguatu-CE. Ri quando mentalizei Dona Adelice correndo e levantando o vestido em busca de "sopros divinos" de um bom inverno.

No final das contas lembrei do que realmente mexia com o desatinado juízo. O quanto as sábias palavras dos mais velhos são importantes para mim. Sou dos que acreditam em teorias científicas, amigo de Charles Darwin e amante secreto das galáxias. Porém, me coloca em um estado de graça ouvir a sabedoria da maturidade. A arte das mãos da terceira idade, labirinto onde quase ninguém quer entrar.

Sempre transformei em filme os dizeres dos meus recém-velhinhos. Minha avó Rita cantava pra mim e me contava causos, em sua maioria fictícios, dos tempos de estradas barrentas em Assaré. Tudo era tão imaginativo e crível, que incorporei cada ensinamento no meu dia a dia e comecei a caminhar pelas estradas empoeiradas.

O meu lado vanguardista não me impede de ser do passado e honrar essa parte que grita em mim. Se estão errados, eu não sei. Quem saberá com toda a certeza? Reza a lenda de que um curioso marginal se dedicou às enciclopédias para desmentir as verdades melindrosas. No fim, bebeu as teorias com cana.

'Ó, João de Barro. Quando não tiveres lado para colocar a porta de tua casa, não se sinta envergonhado de pousá-la em minha janela'.

sábado, 14 de janeiro de 2012

"Cidade-Luz, Campina Grande"

Um pouco mais de um século e meio em suas paredes que são tão familiares. Alguém já disse que não existe melhor lugar que Paris. E eu concordo, mesmo sem ter cruzado o Atlântico. Concordo com o pensamento. Concordo no sentimento natural que torna certos espaços, até então desconhecidos, em sua própria casa.

Olhar a serração e os prédios ao fundo. Eles beiram o centro da cidade, mas já são tão próximos assim que você desce de um "Progresso". O asfalto estreito e bonito, nem parece mais as descrições que hoje fazem de ti. Mas os vejo ainda molhados, sobre a cinzenta e refrescante névoa que te toma no mês de junho.

Ladeiras e planícies, quem poderia dizer? És maior que o meu umbigo e guarda muitos dos meus tesouros. Hoje os dias são úmidos e o vento é forte, feito para balançar jangadas. Mas não te preocupes, minha menina, nada está errado e você mora no meu coração. Sei que não nos encontraremos na Praça da Bandeira para caminhar de mãos dadas até o Restaurante Popular em breve. Mas refaço os mesmos passos mentalmente até em um restaurante de luxo, onde me depositam à mesa suculentos camarões.

Apesar de atualmente estar em ótimas companhias, lá fiz bons amigos. Alguns deles se tornaram os melhores. Todos sentados nos bancos do Curso de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba. Destinos tolos entrelaçados no dia 22 de dezembro de 2004. Alguns estão grávidos, outros são pais, outros nem mudaram, mas existem e é o que importa.

Lembro de estar com eles no Parque do Povo, no Madrugão, no Tenebra, na Sappore, no Iguatemi, na Queen, na UFCG, no Teatro Municipal Severino Cabral, no SESC Centro e Açude Velho, no Açude Velho, na Reitoria, nas lojas do centro e no Banco do Brasil.

Na Prata, Bodocongó, Alto Branco, Cruzeiro, Catolé, Santa Rosa, Malvinas, na difusora do Centenário, no Spazzio... Pena que em lugar nenhum. Mas os caminhos nos levam aonde devemos chegar e hoje estou aqui. Com o coração cheio de saudade e alegria, por ter sentido o teu cheiro.

Não me canso de você e, pode escrever, habita meus sonhos, mesmo que raramente. Foi bom lembrar de você. Melhor ainda lembrar que me fiz homem contigo. Desvirginaste-me para o mundo, para as escolhas, para a minha própria cabeça.

Sorvemos ao mesmo tempo, separados por centenas de quilômetros, a taça da juventude eterna. "Cidade-Luz", Campina Grande.

Daniela

Jaqueta de couro. Unhas afiadas. Ela desfila sensualmente no palco das expectativas onde não sabemos o que vai dar certo nem nos centímetros que tem o nariz. Desbrava as sensações. Sua frio. Mas desfila soberana. É uma mágica. Mágica sob a alcunha de Daniela. Trabalha em um circo, que para os mais críticos seria de quinta categoria, mas para mim, eterna criança, é a melhor das diversões de uma noite de sexta após ter a pupila dilatada ardorosamente por uma balconista nem tão sexy quanto a personagem desta história.

Ela tinha que fechar a semana onde tudo começou de um jeito e terminou de outro. Coisas dos homens que por machismo ou ganância não se permitem um salto alto vez em quando. Sei que nem todos se empolgaram com a astúcia de Daniela. O Mister M já fez questão de escancarar a verdade que habita os truques: a inocência. Mas mesmo assim, a moça de roupa preta não se intimida e parte pra cima da plateia.

Como naquela música "Yoü and I", da Lady Gaga, as coisas aconteceram. Cabeça de um lado, corpo de outro. Cair em garras afiadas e flamejantes já não era impossível. E o inesperado-esperado acontece: ela surge do fundo da plateia, nos exigindo pensar que toda a magia é de verdade. Desfazendo aquela boba ilusão de que ela teria ido embora, de vez, para não voltar...

Daniela teve várias notícias, de toda natureza. Foi criança, jovem e mulher. Aprendeu seu ofício e quem sabe casou. Descobriu a felicidade e depois de um tempo percebeu que ela não era tão valiosa. Desejou ser quem não era e foi, mas voltou. E estava de novo ali no palco. Desafiando a quem a intimidava. Vencendo o jogo dos mais fracos.

A mágica era como uma pena. Uma verdade. Melhor dizendo, a mágica era o imprevisível. Aquilo que temos certeza que vai acontecer, ou numa súbita maldade, desejamos que ela venha à tona para saber qual a sua explicação. E ela vem. Pena que nem todos podem contar com uma fortaleza. É bom enxergá-la de longe. Protegido pelo que eu sempre quis de escudo.

Essa semana, Daniela se apresentou pra mim e uma dúzia de pessoas. Na outra, quem dirá?! Quem queimaria a mão e afirmaria ser o próximo?! Sua essência tem grandeza. Suas vontades não têm lei. Guarda consigo a iminência e a amargura. Aguarda com sede o aplauso e o riso macabro, de quem fez o mundo ao avesso e você nem reparou.

Para a vida, um banho de experiências. Contra o imprevisível, só a morte.

"Au revoir!", disse ela.

P.S. 1: Apesar da coincidência, este texto não é direcionado a minha linda amiga-presente-tudo-de-maravilhosa Daniela Castro. Ela terá um texto mais adiante.
P.S. 2: Esse texto é dedicado exclusivamente ao Jacaré do Açude Velho, que nos deixou na tarde deste sábado (14). Sentirei saudades. #